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~ Eu não tenho nada para oferecer a ninguém, exceto minha própria confusão ~ J. Kerouac

domingo, 15 de abril de 2012

O pequeno barco de velas brancas

Nasci nas Minas Gerais onde não tem mar. Minas tem montanhas, matas e tem céu. É aí que me sinto em casa. [...] Lá, quem quiser navegar tem de aprender que o mar de Minas é em outro lugar. "O mar de Minas não é no mar. O mar de Minas é no céu, pro mundo olhar pra cima e navegar sem nunca ter um porto onde chegar".
Acho que é por isso que em Minas nasce tanto poeta. Poeta é quem navega nos céus. Comecei a navegar no mar de Minas quando era menino. Me deitava no capim e ficava vendo as nuvens e os urubus. Pensava poesia sem saber o que era. A Adélia diz que poesia é quando a gente olha para uma pedra e vê outra coisa. Como no famoso poema de Drummond: "No meio do caminho tinha uma pedra..." Estou certo de que essa pedra que ele via era outra coisa cujo nome ele não podia dizer. Pois eu ficava olhando para as nuvens: via navios, bichos, rostos, monstros.
Meus mestres navegadores eram os urubus. Desajeitados em terra, não conheço poeta que tenha falado deles com carinho. É romântico dizer da amada que ela se parece com uma garça branca. Mas quem diria que ela se parece com um urubu? Que eu saiba, somente a Cecília viu sua beleza: "Até os urubus são belos, no largo círculo dos dias sossegados".
Urubus voam sem bater asas. Nas alturas, apenas as inclinam ligeiramente para flutuar ao sabor do vento. Deixam-se ser levados. Flutuam ao sabor do vento. São mestres do taoísmo.



O mar de água, eu só fui ver depois que me mudei para o Rio de Janeiro. Debruçado na amurada de pedra da praia de Botafogo, ficava a ver os barcos de velas brancas levados pelo vento. Como as garças, voando no céu de Minas. O mar me fascina. Mas, como não sou do mar, sou das matas, não vou. O mar me dá medo. Mar é perigo, naufrágio.
Dorival Caymi cantou o jangadeiro que entrou no mar e a jangada voltou só. Doce morrer no mar? Talvez. Melhor morrer no mistério indecifrável do mar que morrer as mortes banais da terra seca. Mas o perigo não importa. O fascínio é maior. Somos os únicos seres que amam o perigo.
Lá está o barquinho de velas brancas, navegando no mar! Bem que ele poderia navegar só nas baías e enseadas, onde não há perigo e o mar é sempre manso. Mas, não! Deixando a solidez da terra firme, ele se aventura para sentir o vento forte enfunando as velas e o salpicar da água salgada que salta da quilha contra as ondas. "Sem nunca ter um porto onde chegar", ele navega pelo puro prazer de entrar no mar.
[...] A vida é assim: somos pequenos barcos de velas brancas no mar desconhecido. Os remos são inúteis. A força dos elementos é maior que a nossa. Gosto de ver os urubus voando nos prenúncios de tempestade. Eles não lutam contra o vento. Flutuam, deixam-se levar. 
A sabedoria dos barcos a vela é a mesma sabedoria dos urubus. Brincar com o vento e a onda, vela e leme, e deixar-se ser levado. A sabedoria suprema.

Um comentário:

  1. Menina que texto mais lindo... queria que a minha cidade tivesse texto tão poético quanto esse!

    É seu mesmo?

    Beijinhos

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É sempre bom saber que tem alguém interessado em ler as palavras que uma hora ou outra, saem da minha cabeça e acabam aqui.
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